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Decisão histórica condena presidente Bolsonaro por usar a palavra “lepra”

Publicação: 17/01/2022
Decisão histórica condena presidente Bolsonaro por usar a palavra “lepra”

“...os termos "lepra" e "leproso" foram utilizados pelo mandatário em discurso realizado em cerimônia oficial da Presidência da República e devidamente registrado pela TV Nacional do Brasil - NBR. Consequentemente, ainda mais quando se considera que as normas garantidoras de direitos fundamentais devem ser interpretadas de forma extensiva, não há dúvidas de que, ao menos para efeitos da Lei nº 9.010/1995, está-se diante de documento oficial.”

“Ocorreu, portanto, infringência à referida norma.”

“Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido de tutela provisória, para determinar que a União e quem a represente a qualquer título, inclusive o presidente da República, abstenha-se de utilizar o termo “lepra” e seus derivados, conforme preconizado pela Lei nº 9.010/1995.”

“Deixo, por ora, de estabelecer multa, pois não há sentido em se presumir que haverá reiteração no descumprimento da legislação por parte de autoridades federais. Cite-se e intime-se a parte ré com urgência para ciência e cumprimento.”

Com este argumento o juiz Fabio Tenenblat, da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, condenou o presidente Jair Bolsonaro, no último sábado, 15 de janeiro, por ter utilizado as palavras “lepra” e “leproso” em discurso na cidade de Chapecó/SC em dezembro de 2021. Leia a íntegra do documento CLICANDO AQUI.

Em reação imediata, o presidente da SBH-Sociedade Brasileira de Hansenologia Claudio Salgado, e o vice-presidente, Marco Andrey Cipriani Frade, emitiram carta pública dizendo que o presidente Bolsonaro mostrou desconhecimento sobre o assunto, “contribuindo com a desinformação e o preconceito”. O texto ainda diz que “o preconceito contra pessoas afetadas pela hanseníase – e não 'lepra' – é tema de documento de quase 50 páginas, organizado pela Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) e entregue à relatora especial das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares, Alice Cruz, em sua visita oficial ao Brasil em 2019”.

"Não podemos admitir qualquer atitude que possa contribuir para agravar o estigma que pesa sobre o paciente de hanseníase e seus familiares. O caso só mostra quanto ainda temos de caminhar para enfrentar essa doença e o preconceito que pesa sobre ela. Esperamos que nossas autoridades se conscientizem porque apenas assim podemos controlar a doença e dar dignidade aos doentes", disse Claudio Salgado.

A palavra “lepra” e as derivadas, como “leproso”, não podem ser utilizadas no Brasil desde 1995. A Lei no 9.010, de março daquele ano, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, determina:

Art. 1º O termo "Lepra" e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros.

A Lei descreve, inclusive, a terminologia oficial a ser utilizada: hanseníase, doente de hanseníase, hansenologia, hansenologista, hansênico etc., tamanha é a gravidade do preconceito sobre a vida social e profissional dessas pessoas, sobre seus familiares, chegando, inclusive, a dificultar seriamente o enfrentamento da doença.

"Essa decisão é histórica e estabelece um novo marco na luta contra o estigma da hanseníase.  É preciso, ao mesmo tempo que atuamos para acabar com a doença e ter uma política de reabilitação descente para quem ficou com sequelas, combater vigorosamente o estigma estrutural da doença", diz Artur Custodio, coordenador nacional do Morhan. Ele lembra que a relatora especial da ONU para a Hanseníase, Alice Cruz, caracteriza a lei 9010/95 como uma das poucas leis antidiscriminatórias da hanseníase no mundo.

O discurso

Esta é a íntegra da declaração do presidente Bolsonaro em Chapecó:

Quem já leu ou viu filmes daquela época, quando Cristo nasceu, o grande mal daquele momento era a lepra. O leproso era isolado, distância dele. Hoje em dia, temos lepra também, continua, mas o mundo não acabou naquele momento”.

Hanseníase no Brasil

No Brasil – país que figura em 2º lugar em número de casos, perdendo somente para a Índia – são diagnosticados cerca de 30 mil novos pacientes a cada ano, mas o país vive uma endemia oculta de hanseníase e a estimativa é que tenha de três a cinco vezes mais casos esperando por diagnóstico e tratamento.

Crianças ainda são afastadas da escola por causa da hanseníase, profissionais são impedidos de trabalhar, inclusive por força de editais, pacientes ainda recusam o diagnóstico da doença, preferindo não enfrentar um tratamento que cura a sofrer o preconceito que a sociedade impõe. A substituição pela palavra “hanseníase” não corrige o problema, mas é um passo para que o tema fique tão somente no campo da “doença”, da questão de saúde pública e de toda a problemática que exige uma estratégica política de enfrentamento desta endemia sem controle no Brasil.

O paciente em tratamento não transmite a doença a seus comunicantes e a hanseníase tem cura.

“...causa estranheza o uso do termo proibido em documentos oficiais e que, por respeito, banido de todos os tipos de discurso na sociedade brasileira. Conhecedores do drama vivido, no Brasil, pela comunidade de pacientes, ex-pacientes de hanseníase, familiares e pessoas que com eles convivem ou conviveram, nossos colegas hansenologistas estrangeiros e suas sociedades médicas têm utilizado, respeitosamente, no relacionamento com o Brasil, a expressão ‘Doença de Hansen’”, diz a carta da SBH.

A SBH teve papel importante na discussão da implantação da terminologia “hanseníase” em substituição a “lepra” e tem se manifestado fortemente em relação a manifestações preconceituosas, descontextualizadas ou errôneas sobre a hanseníase, seja por parte de autoridades, figuras públicas ou pessoas desinformadas, no Brasil e exterior.

Campanha nacional Todos contra a hanseníase

Para esclarecer sobre a doença, desde 2015, a SBH mantem a campanha permanente “Todos contra a Hanseníase” e apoia o mês Janeiro Roxo, oficializado em 2016 para conscientização sobre a hanseníase.

A campanha “Todos contra a Hanseníase” é parceira oficial do NTD Word Day (Neglected Tropical Diseases), ou Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas, ação mundial de alerta e conscientização sobre essas doenças – a hanseníase é uma delas. Em 2022, o Dia Mundial será em 30 de janeiro.

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