O Brasil ainda é o segundo país no mundo em número absoluto de casos, dentre os 213.899 casos diagnosticados no mundo em 2014, ficando atrás apenas da Índia.
Em 2015, o Brasil foi responsável por aproximadamente 90% dos casos de hanseníase nas Américas e diagnosticou mais quase 30 mil casos novos.
Quanto à taxa de prevalência (o número de doentes em tratamento para hanseníase em cada 10.000 habitantes), a Organização Mundial da Saúde preconiza 1 caso para 10 mil habitantes para dizer se a doença deixa de ser um problema em saúde em uma determinada região. O Brasil tinha um coeficiente nacional de 1,27 casos para 10 mil habitantes em 2014, quedando para 1,01 em 2015; ou seja, quase alcançando a meta.
No entanto, essa é uma situação bastante heterogênea quando avaliamos os estados brasileiros isoladamente, encontrando Roraima, Pará, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Tocantins com índices maiores que o dobro e o Mato Grosso que alcança 10,19 (aproximadamente 10 vezes mais que o estipulado pela OMS). Esses dados são coincidentes aos coeficientes de casos novos classificados de hiperendêmicos (mais de 40 casos/100 mil habitantes) o que é bastante razoável, embora haja trabalho dizendo sobre grande subnotificação de casos; ou seja, uma endemia oculta, podendo chegar a três vezes mais que o encontrado.
Essa baixa prevalência foi alcançada apenas por um manejo operacional, tal como orientado pela OMS, no qual foram retirados do cálculo todos os pacientes com tratamento irregular; ou seja, aqueles considerados como “abandono”, um número aproximado de 3.000 pacientes com situação inadequada – o que aumenta nossa preocupação quanto às possibilidades de resistência bacteriana e também do aumento dos casos de reações imunológicas graves nos nervos e consequentes incapacidades. O mesmo parece ter sido usado, por exemplo, em Ribeirão Preto, com prevalência de 1,67 em 2014 baixando para 0,9 em 2015. Nenhuma doença crônica como hanseníase, que leva de 5 a 10 anos para se manifestar, tem sua prevalência caindo mais de 10% ao ano.
Na região de Ribeirão Preto, com prevalência ainda maior que 1 caso para cada 10 mil habitantes, encontramos municípios com taxas de prevalências menores que um, onde meses de ações de busca ativas fizeram aumentar essa taxa em oito vezes em 2015 e provavelmente mais de vinte vezes em 2016, tornando evidente a “endemia ocultra” que vivemos.
Aliado a isso, 7% a 8% dos casos novos diagnosticados no Brasil são em crianças menores que 15 anos, o que ratifica o fato de termos uma endemia oculta e que teremos hanseníase ainda por muito tempo no país.
Embora seja uma doença vinculada às situações de pobreza, principalmente pelo viver em aglomerados, facilitando a transmissão entre os indivíduos, toda a sociedade está exposta ao bacilo da hanseníase e o desenvolvimento da doença vai depender da resposta imunológica de cada indivíduo, inclusive as classes mais favorecidas, embora a literatura nos diga que 90% da população têm defesa natural contra a hanseníase.
A hanseníase é uma doença que é incapacitante por acometer os nervos periféricos lenta e gradualmente. Sua transmissão principal se dá de homem doente para homem saudável e a média do percentual de avaliação dos comunicantes dos pacientes (familiares) gira em torno de 60, o que nos leva a questionar o quanto temos ainda de caminhar para alcançar o controle da doença no país.
A população precisa urgentemente de informação sobre os sinais e sintomas da hanseníase, pois ela não é uma doença fácil para se diagnosticar e os exames existentes são capazes de detectar a bactéria em apenas 50% dos casos. Os outros 50% apresentam sinais e sintomas que dependem de treinamento profissional para serem diagnosticados e tratados a fim de evitar incapacidades como perda de força das mãos, pés etc. Sintomas esses que podem se arrastar por anos sem que seja definido como diagnóstico na rede de atenção à saúde, exceto quando os mesmos já se tornam incapacitantes para os pacientes.
Muito pouco se fala de hanseníase na mídia, e até mesmo dentre os profissionais de saúde, criando ideia que ela não existe mais em nossa sociedade. As pessoas apenderam mais sobre hanseníase nas igrejas que nas escolas, levando apenas um “conceito” jocoso e pecaminoso; ou seja, um preconceito.
E isso é uma verdade, como dois exemplos recentes que ocorreram neste ano: no norte do país, a Secretaria Estadual de Saúde, procurando local para ofertar o treinamento teórico-prático que iríamos dar em hanseníase, solicitou à reitora de uma universidade federal o empréstimo de um dos anfiteatros e ela respondeu nos indagando como faríamos a esterilização da sala tendo em vista que nós levaríamos pacientes de hanseníase para lá. Ou seja, uma reitora com essa indagação!
Noutro caso, aqui de nossa região, a partir do diagnóstico de uma escolar, a professora telefona para a Secretaria Municipal de Saúde irritada indagando como a secretaria não fizera nenhum documento para excluir a criança da escola e como não tomara providências. Ela, a professora, iria afastar a criança das atividades escolares por tempo indeterminado, tendo a secretaria que intervir e quase acionar o Ministério Público para proteger a criança de tamanha desinformação da professora. Enfim, exemplos bem próximos de nossa realidade e nosso cotidiano que demonstram o preconceito ainda existente.
Outro exemplo muito frequente ocorre nas regiões das antigas colônias e preventórios de hanseníase, usados como locais de exclusão para os pacientes com hanseníase antes da década de 1970. Até hoje a população que convive ao redor dessas unidades ainda enaltece o preconceito para com os moradores das unidades, mesmo estando todos já tratados e apenas vivendo lá pela manutenção da exclusão que a sociedade os impôs.
Para agravar tal situação, lamentavelmente, as escolas das áreas de saúde têm diminuído significativamente o tempo dedicado ao ensino da hanseníase, formando médicos e enfermeiros despreparados e inseguros para fazer diagnóstico.
Nesse ponto, a SBH, juntamente com o apoio da Coordenação Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação, tem trabalhado intensamente na elaboração de novas diretrizes lançadas em fevereiro deste ano e cursos “on-line” bastante práticos pela UNASUS (Universidade Aberta do SUS-2014) para profissionais da atenção básica no país com mais de 30 mil inscritos e com altíssima aprovação.
Além disso, a SBH, criada desde 1948, tem um papel de destaque no incentivo a melhoria na formação acadêmico-científica e técnica dos profissionais que lidam com a hansenologia, sendo a sociedade que certifica os profissionais da dermatologia, infectologia, clinica médica, neurologia, saúde da família e comunidade na área de atuação em Hansenologia pela Associação Médica Brasileira.
Adicionalmente, oferece anualmente simpósios e congressos com o objetivo de reunir os trabalhadores da hanseníase e ampliar a discussão sobre diagnóstico, manejo e tratamento dos pacientes com hanseníase, sendo uma das sociedades científicas em hanseníase mais respeitadas do mundo, e uma das principais parceiras da International Leprosy Association.
Assim, a SBH, juntamente com o Centro de Referência Nacional, tem participado de capacitações em vários estados do país como Piauí, Tocantins, Distrito Federal, Espírito Santo, Roraima, Bahia, Pernambuco e Pará, treinamentos essencialmente práticos em que constatamos as deficiências locais para o diagnóstico, o que também corrobora nossa constatação de endemia oculta e que, às vezes, perturba algumas coordenações estaduais como a do Pará.
Numa ação pontual de pesquisa, juntamente com a UFPA (Universidade Federal do Pará) na Ilha de Mosqueiro (Belém), avaliamos aproximadamente 1.000 crianças diagnosticando 110 casos novos e alarmantes 27 já com algum grau de incapacidade instalado, lamentavelmente. Eu e mais dois profissionais, com anos de experiência em hanseníase e referências nacional e estaduais na área, ficamos responsáveis diretamente pelos diagnósticos e os respectivos encaminhamentos às unidades de saúde para tratamento em 2014.
Lamentavelmente, o posicionamento da respectiva coordenação do estado do Pará – depois do diagnóstico, notificação e tratamento dessas crianças – propôs reavaliar os mesmos casos, o que não ocorreu por completo até o momento, dizendo não encontrar todos os domicílios e notificando apenas 13 casos (40%). Assim, a SESPA (Secretaria Estadual de Saúde do Pará) “desdiagnosticou” 81% dos casos avaliados em crianças que tiveram a chance de serem assistidas por profissionais e receberem o tratamento precocemente, o que lamentavelmente não ocorreu.
Independente de tudo isso, o papel principal da SBH é FORMAR E INFORMAR, devendo toda a comunidade estar atenta às áreas ou manchas da pele com alteração da sensibilidade ao tato, ao calor e a dor, alteração de pelos e do suor (ausência), além da perda de força nos membros e olhos, sinais e sintomas que devem ser sempre mencionados pela hipótese de se tratar de hanseníase, uma doença que tem tratamento gratuito e totalmente curável quando os nervos não se encontram destruídos totalmente.
Assim, estar aqui hoje, nesse evento de lançamento da campanha #todoscontraahanseníase, no qual temos o objetivo maior de conclamar toda e qualquer empresa ou organização, sindicato, igreja, clube, associação e pessoas a nos ajudar compartilhando os cartões educativos do Facebook e a “hashtag” #TodosContraaHanseníase, aumentando assim a INFORMAÇÃO À COMUNIDADE sobre a doença, pois SÓ O CONCEITO DESTRÓI O PRECONCEITO e garante precocidade do diagnóstico e tratamento cedo da hanseníase, evitando as deformidades e incapacidade dos pacientes.
Aproveitamos assim para agradecer a todos, direta ou indiretamente envolvidos com a causa e esta campanha, em especial a equipe da Texto & Cia, além dos nossos apoiadores e incentivadores.
Marco Andrey Cipriani Frade
Presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia
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