É fundamental que se olhe para o MDT-U (multidroga terapia esquema único) pelo prisma do paciente. Afinal, as evidências científicas para diminuir o tempo de tratamento dos antibióticos usados para o tratamento de hanseníase há quase 40 anos são robustas?
Em reunião no dia 18 de abril de 2018 no Ministério da Saúde, o Comitê Técnico Assessor (CTA) da hanseníase foi informado que seria implantado no Brasil um esquema único de tratamento para pacientes de hanseníase, com os mesmos antibióticos usados há quase 40 anos, porém, com a metade do tempo mínimo utilizado hoje para o tratamento dos pacientes multibacilares (MB), e com todos os antibióticos para todos, o que significa que mesmo pacientes paucibacilares (PB), hoje cerca de 30% no Brasil, teriam que usar rifampicina, dapsona e clofazimina, esta última usada atualmente somente nos pacientes MB.
As razões para esta conduta estão baseadas em um trabalho publicado na revista PLOs Neglected Tropical Diseases, que daria suporte à mudança do esquema. Antes da reunião de 18 de abril, e já sabendo do tema MDT-U, a SBH se posicionou com uma carta aberta ao CTA e à sociedade brasileira, especialmente médicos que tratam milhares de casos no dia a dia da lida com os pacientes.
Mesmo diante do posicionamento da SBH, contrário ao MDT-U, bem como da manifestação contrária de quatro dos seis centros de referência nacionais em hanseníase, que estavam presentes na reunião, não há sinalização do Ministério da Saúde em suspender a implantação do esquema MDT-U para uma discussão mínima com usuários, nem com as diversas entidades que representam profissionais de saúde e cientistas deste país, Brasil afora.
Deste modo, as diferentes sociedades e associações signatárias deste documento, baseadas nos tópicos expressos a seguir, solicitam ao Ministério da Saúde do Brasil que suspenda toda e qualquer proposta de implementação do MDT-U neste momento, e que disponibilize recursos para 1) incrementar os treinamentos e capacitações em hanseníase aos profissionais de saúde das estratégias de saúde da família em todo o Brasil; 2) dar suporte à busca ativa de casos novos da doença; 3) aumentar a quantidade e a qualidade do exame de contatos; 4) mensurar o real percentual de casos com resistência medicamentosa e 5) disponibilizar novos medicamentos para esquemas substitutivos aos pacientes com cepas resistentes ou que não consigam fazer uso dos medicamentos padronizados para o tratamento atual da hanseníase. Ressalte-se o atual quadro preocupante de aumento do percentual de cepas resistentes no planeta (1).
Seguem as razões pelas quais achamos que não é minimamente razoável implantar o MDT-U neste momento:
Achamos, ainda, ser de importância capital citar que a OMS acabou de se pronunciar no sentido de não implantar o MDT-U (seis doses MB) para uso nas diferentes regiões do planeta (http://www.searo.who.int/entity/global_leprosy_programme/en/), em razão da "falta de evidências suficientes para sustentar que a diminuição do tempo de tratamento tenha resultados equivalentes ao esquema utilizado atualmente". Diz ainda que as "evidências de potenciais riscos e benefícios de um esquema mais curto foram limitadas e inconclusivas, com possibilidade de aumento no risco de recidivas".
Nos parece claro que os dados são insuficientes e, portanto, não há razão para seguir adiante.
Desta forma, a SBH e as entidades subscritas abaixo, se manifestam por esta via, no sentido de que não existem dados suficientes para apoiar a implantação do esquema curto proposto de seis doses MB, nomeado MDT-U, e reitera a necessidade imperiosa de incremento dos treinamentos e capacitações para a rede básica de saúde, com a finalidade de aumentar a detecção da endemia oculta de hanseníase presente hoje em nossas comunidades, sofrendo com a falta de diagnósticos, seja por falta de cobertura da rede de saúde, pela falta de exame de contatos, ou pelas dificuldades enfrentadas pelos profissionais em firmar os diagnósticos (19–21). As diferentes entidades entendem que são imperativos dados mais robustos para decisões como esta, que impactam significativamente na vida da população acometida pela hanseníase no presente e no futuro.
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Claudio Guedes Salgado - Presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia
Sérgio Cimerman - Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia
Paulo Velho - representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva no Comitê Técnico Assessor da hanseníase no Ministério da Saúde
Lincoln Lopes Ferreira - Presidente da Associação Médica Brasileira
Marco Andrey Cipriani Frade - coordenador do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária com Ênfase em Hanseníase do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP
Isabela Goulart - Coordenadora do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária e Hanseníase do Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Uberlândia
Nesio Fernandes - representante do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde no Comitê Técnico Assessor da hanseníase no Ministério da Saúde
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