Há alguns dias, o presidente Jair Bolsonaro citou erroneamente e desrespeitosamente a palavra “lepra”, em discurso na cidade de Chapecó (SC), mostrando desconhecimento sobre o assunto e contribuindo com a desinformação e o preconceito. O preconceito contra pessoas afetadas pela hanseníase – e não “lepra” – é tema de documento de quase 50 páginas, organizado pela Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) e entregue à relatora especial das Nações Unidas para a “Eliminação da Discriminação contra as Pessoas Afetadas pela Hanseníase e seus Familiares”, Alice Cruz, em sua visita oficial ao Brasil em 2019.
Desde 1948, quando nossa sociedade médica foi fundada, ainda sob outra denominação, temos não apenas estudado a hanseníase profundamente, como temos trabalhado – com a mesma determinação e intensidade – para combater o preconceito que pesa sobre a vida de pacientes e de quem com eles convive, num drama doloroso que, ainda hoje, faz parte da rotina de médicos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde, técnicos de enfermagem, atendentes de unidades de saúde e toda a cadeia de profissionais que trabalham neste campo.
Daí que o discurso “Quem já leu ou viu filmes daquela época, quando Cristo nasceu, o grande mal daquele momento era a lepra. O leproso era isolado, distância dele. Hoje em dia, temos lepra também, continua, mas o mundo não acabou naquele momento”, causou reação imediata na SBH.
A palavra “lepra” e as derivadas, como “leproso”, não podem ser utilizadas no Brasil desde 1995. A Lei no 9.010, de março daquele ano, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, determina:
Art. 1º O termo "Lepra" e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros.
A Lei descreve, inclusive, a terminologia oficial a ser utilizada: hanseníase, doente de hanseníase, hansenologia, hansenologista, hansênico etc., tamanha é a gravidade do preconceito sobre a vida social e profissional dessas pessoas, sobre seus familiares, chegando, inclusive, a dificultar seriamente o enfrentamento da doença.
No Brasil – país que figura em 2º lugar em número de casos, perdendo somente para a Índia – são diagnosticados cerca de 30 mil novos pacientes a cada ano, mas o país vive uma endemia oculta de hanseníase e a estimativa é que tenha de três a cinco vezes mais casos esperando por diagnóstico e tratamento.
Crianças ainda são afastadas da escola por causa da hanseníase, profissionais são impedidos de trabalhar, inclusive por força de editais, pacientes ainda recusam o diagnóstico da doença, preferindo não enfrentar um tratamento que cura a sofrer o preconceito que a sociedade impõe. A substituição pela palavra “hanseníase” não corrige o problema, mas é um passo para que o tema fique tão somente no campo da “doença”, da questão de saúde pública e de toda a problemática que exige uma estratégica política de enfrentamento desta endemia sem controle no Brasil.
Vale ressaltar que o paciente em tratamento não transmite a doença a seus comunicantes e a hanseníase tem cura. Se diagnosticada precocemente – o que não ocorre no Brasil exatamente por falta de política de capacitação de profissionais de saúde, ensino nas universidades, orientação à população, acesso a procedimentos já disponíveis para outras doenças – a hanseníase pode ser controlada, como ocorreu em países que já venceram a doença.
Também vale lembrar que “lepra” era uma denominação comum a muitas doenças desconhecidas dos povos antigos e há muito tempo não reflete mais nossa realidade. As doenças estão classificadas e têm denominação específica conhecida. Daí que causa estranheza o uso do termo proibido em documentos oficiais e que, por respeito, banido de todos os tipos de discurso na sociedade brasileira.
Conhecedores do drama vivido, no Brasil, pela comunidade de pacientes, ex-pacientes de hanseníase, familiares e pessoas que com eles convivem ou conviveram, nossos colegas hansenologistas estrangeiros e suas sociedades médicas, têm utilizado, respeitosamente, no relacionamento com o Brasil, a expressão “Doença de Hansen”.
A SBH, além de ter tido um papel importante na discussão da mudança da terminologia, tem se manifestado fortemente em relação a manifestações preconceituosas, descontextualizadas ou errôneas sobre a hanseníase, seja por parte de autoridades, figuras públicas ou pessoas desinformadas, no Brasil e exterior, e não poderíamos deixar de apresentar nossa solidariedade aos pacientes de hanseníase, ex-pacientes, familiares e demais comunicantes também vítimas de preconceito.
Para combater – e vencer o problema da falta de esclarecimento, falta de diagnóstico, falta de ensino, falta de políticas claras e abrangentes de combate à hanseníase e preconceito – desde 2015, a SBH mantem a campanha permanente “Todos contra a Hanseníase” e apoia o mês Janeiro Roxo, oficializado em 2016 para conscientização sobre a hanseníase.
A campanha “Todos contra a Hanseníase” é parceira oficial do NTD Word Day (Neglected Tropical Diseases), ou Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas, ação mundial de alerta e conscientização sobre essas doenças – a hanseníase é uma delas. Em 2022, o Dia Mundial será em 30 de janeiro.
Claudio Salgado Marco Andrey Cipriani Frade
Presidente SBH Vice-presidente SBH
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